Amigos do Fingidor

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

A poesia é necessária?

 

Reis do agronegócio

Chico César e Carlos Rennó

 

 

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio

Ó produtores de alimento com veneno

Vocês que aumentam todo ano sua posse

E que poluem cada palmo de terreno

E que possuem cada qual um latifúndio

E que destratam e destroem o ambiente

De cada mente de vocês olhei no fundo

E vi o quanto cada um, no fundo, mente

Vocês desterram povaréus ao léu que erram

E não empregam tanta gente como pregam

Vocês não matam nem a fome que há na terra

Nem alimentam tanto a gente como alegam

É o pequeno produtor que nos provê

E os seus deputados não protegem, como dizem

Outra mentira de vocês, pinóquios véios

Vocês já viram como tá o seu nariz, hein?

Vocês me dizem que o Brasil não desenvolve

Sem o agrobiz feroz, desenvolvimentista

Mas até hoje na verdade nunca houve

Um desenvolvimento tão destrutivista

É o que diz aquele que vocês não ouvem

O cientista, essa voz, a da ciência

Tampouco a voz da consciência os comove

Vocês só ouvem algo por conveniência

 

Para vocês, que emitem montes de dióxido

Para vocês, que têm um gênio neurastênico

Pobre tem mais é que comer com agrotóxico

Povo tem mais é que comer se tem transgênico

É o que acha, é o que disse um certo dia

Miss motosserrainha do desmatamento

Já o que acho é que vocês é que deviam

Diariamente, só comer seu “alimento”

Vocês se elegem e legislam, feito cínicos

Em causa própria ou de empresa coligada:

O frigo, a multi de transgene e agentes químicos

Que bancam cada deputado da bancada

Té comunista cai no lobby antiecológico

Do ruralista cujo clã é um grande clube

Inclui até quem é racista e homofóbico

Vocês abafam, mas tá tudo no youtube;

Vocês que enxotam o que luta por justiça;

Vocês que oprimem quem produz e que preserva

Vocês que pilham, assediam e cobiçam

A terra indígena, o quilombo e a reserva

Vocês que podam e que fodem e que ferram

Quem represente pela frente uma barreira

Seja o posseiro, o seringueiro ou o sem-terra

O extrativista, o ambientalista ou a freira

 

Vocês que criam, matam cruelmente bois

Cujas carcaças formam um enorme lixo

Vocês que exterminam peixes, caracóis

Sapos e pássaros e abelhas no seu nicho

E que rebaixam planta, bicho e outros entes

E acham pobre, preto e índio “tudo” chucro:

Por que dispensam tal desprezo a um vivente?

Por que só prezam e só pensam no seu lucro?

Eu vejo a liberdade dada aos que se põem

Além da lei, na lista do trabalho escravo

E a anistia concedida aos que destroem

O verde, a vida, sem morrer com um centavo

Com dor eu vejo cenas de horror tão fortes

Tal como eu vejo com amor a fonte linda

E além do monte o pôr-do-sol porque por sorte

Vocês não destruíram o horizonte... ainda

Seu avião derrama a chuva de veneno

Na plantação e causa a náusea violenta

E a intoxicação “ni” adultos e pequenos

Na mãe que contamina o filho que amamenta

Provoca aborto e suicídio o inseticida

Mas na mansão o fato não sensibiliza

Vocês já não tão nem aí co’aquelas vidas

Vejam como é que o agrobiz desumaniza...:

Desmata Minas, a Amazônia, Mato Grosso...;

Infecta solo, rio, ar, lençol freático;

Consome, mais do que qualquer outro negócio

Um quatrilhão de litros d´água, o que é dramático

Por tanto mal, do qual vocês não se redimem

Por tal excesso que só leva à escassez

Por essa seca, essa crise, esse crime

Não há maiores responsáveis que vocês

Eu vejo o campo de vocês ficar infértil

Num tempo um tanto longe ainda, mas não muito

E eu vejo a terra de vocês restar estéril

Num tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto

O que será que os seus filhos acharão de vocês

Diante de um legado tão nefasto

Vocês que fazem das fazendas hoje um grande deserto verde

Só de soja, de cana ou de pasto?

Pelos milhares que ontem foram e amanhã serão

Mortos pelo grão-negócio de vocês

Pelos milhares dessas vítimas de câncer

De fome e sede, e fogo e bala, e AVCs

Saibam vocês que ganham com um negócio desse

Muitos milhões, enquanto perdem sua alma

Que eu me alegraria se afinal morresse

Esse sistema que nos causa tanto trauma

 

Eu me alegraria se afinal morresse

Esse sistema que nos causa tanto trauma

 

Eu me alegraria, ô

Esse sistema que nos causa tanto trauma

 

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio

Ó produtores de alimento com veneno...

 


terça-feira, 30 de setembro de 2025

A natureza temperada

 Pedro Lucas Lindoso

 

O que torna um professor ou professora inesquecível? Seu carisma, conhecimento profundo da matéria, didática adequada ou habilidade de fazer os alunos estudarem a disciplina com afinco? Dona Amélia Matsunaga tinha tudo isso. Portanto é minha inesquecível professora de Geografia. 

O equinócio de primavera aqui no nosso hemisfério sul aconteceu um dia após o Dia da Árvore. Mais precisamente, no dia 22. O fenômeno varia. No cálculo astronômico, o dia exato pode oscilar entre 20, 21 ou 22 de março/setembro/dezembro/junho. Março e setembro temos o equinócio, de outono e primavera, respectivamente. Dezembro e junho temos o solstício de verão e inverno. No hemisfério norte é sempre o inverso.

O fato é que dia 22 de setembro o Equinócio trouxe a Primavera para os brasileiros e o Outono para americanos, europeus e japoneses. Os povos do norte em geral. Dona Amélia dizia que “o sol dança com a Terra em encontros que chamamos de solstícios e equinócios”. Naquele dia, Margarida, a mais distraída e cómica colega de turma, perguntou: “Dona Amélia quem é mesmo esse tal de Equinócio?” A mestra quase teve uma síncope.

Equinócio de primavera (hemisfério sul) / de outono (hemisfério norte): no equinócio, o dia e a noite têm aproximadamente igual duração. É quando os hemisférios são igualmente iluminados pelo sol. É o momento em que a Terra se equilibra. Na Primavera entre o calor que ainda não chegou com força total e a possibilidade de renascimento com as flores e o verde das árvores.

Equinócio de outono (hemisfério sul) / de primavera (hemisfério norte):  similar ao equilíbrio entre luz e sombra, marcando transições que não são apenas climáticas. Exemplos: início do ano letivo. Aqui, em março. Na Europa e EUA, o ano letivo começa em setembro. Claro, quem quer férias no inverno? Com frio ou geadas? Nem os povos do norte nem os brasileiros da região sul. O nosso solstício de verão é por volta de 21 de dezembro o deles é o de inverno.

No Solstício de verão temos o dia mais longo do ano. O Sol atinge o ponto mais alto no céu. Então os dias vão ficando cada dia um pouco menores. Até ficar equilibrado. Ou seja, o dia fica do mesmo tamanho da noite. É o equinócio da Primavera, que ocorreu no último dia 22 de setembro.

Para nós, aqui na Amazônia, a dança do sol com a Terra tem um ritmo mais suave e estável. Os dias não se esticam nem se encolhem muito. Temos duas estações principais: chuva (ou estação fresca) e seca. A variação entre solstícios e equinócios não se expressa da mesma forma que nas regiões temperadas do sul do país. O Regime dos rios. Cheia e vazante, é o que nos chama atenção. E claro, o sol brilhando o ano todo. De qualquer forma, houve o equinócio.  Dia e noite tiveram o mesmo tamanho. 12 horas no claro e 12 no escuro. É a natureza temperada!

 

domingo, 28 de setembro de 2025

Manaus, amor e memória DCCXLII


Fórum Enoch Reis, em construção.

 

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

A poesia é necessária?

 

O século XXI me dará razão

(se tudo não explodir antes)

Roberto Piva (1937-2010)


O século XXI me dará razão, por abandonar na linguagem & na ação a civilização cristã oriental & ocidental com sua tecnologia de extermínio & ferro-velho, seus computadores de controle, sua moral, seus poetas babosos, seu câncer que-ninguém-descobre-a-causa, seus foguetes nucleares caralhudos, sua explosão demográfica, seus legumes envenenados, seu sindicato policial do crime, seus ministros gângsters, seus gângsters ministros, seus partidos de esquerda fascistas, suas mulheres navios-escola, suas fardas vitoriosas, seus cassetetes eletrônicos, sua gripe espanhola, sua ordem-unida, sua epidemia suicida, seus literatos sedentários, seus leões-de-chácara da cultura, seus pró-Cuba, seus anti-Cuba, seus capachos do PC, seus bidês da direita, seus cérebros de água choca, suas mumunhas sempiternas, suas xícaras de chá, seus manuais de estéticas, sua aldeia global, seu rebanho-que-saca, suas gaiolas, seu jardinzinhos com vidro fumê, seus sonhos paralíticos de televisão, suas cocotas, seus rios cheio de latas de sardinha, suas preces, suas panquecas recheadas com desgosto, suas últimas esperanças, suas tripas, seu luar de agosto, seus chatos, suas cidades embalsamadas, sua tristeza, seus cretinos sorridentes, sua lepra, sua jaula, sua estricnina, seus mares de lama, seus mananciais de desespero.

fev.1984

Hora Cósmica do Búfalo



terça-feira, 23 de setembro de 2025

Terapeuta potiguar

Pedro Lucas Lindoso

 

Na vida, há fases que somos expostos a sofrimentos inesperados. Todos passamos por “calvários”. São períodos em que o destino nos põe numa espécie de Auschwitz particular. Uma queda. Abaulamento discal. Compressão medular. Cirurgias. Cadeira de rodas. Fisioterapia.

Nessas horas é preciso cuidar não só do corpo. Mas da mente. Da alma. O saudoso Luís Fernando Veríssimo criou o inigualável analista de Bagé. Pensei em criar o terapeuta baré. Mas desisti. O analista gaúcho é “mais ortodoxo que caixa de Maizena.” O amazonense não seria diferente.

Então minha filha indicou-me Eduardo Vilar que é do Rio Grande do Norte. A indicação prometia uma abordagem mais diversificada e menos ortodoxa. Meditação, práticas alternativas, abordagem humanizada. É isso que eu preciso, pensei.

O fato de Eduardo ter filhos como eu proporciona uma compreensão mais profunda das dinâmicas familiares e das questões emocionais que surgem na parentalidade. A experiência da paternidade enriqueceu a prática clínica.  Permitiu que Eduardo se conectasse de forma mais empática comigo.  A vivência das alegrias e desafios da paternidade pode ajudar a abordar questões como a culpa, a ansiedade e as expectativas que cercam a criação dos filhos.

Mas o mais importante mesmo tem sido o suporte terapêutico no meu processo de reabilitação.

A terapia me ajudou a lidar com a aceitação dessas mudanças, que espero sejam temporárias.  Ajudou-me ainda a lidar com tristeza e raiva. Medo da dependência e da perda de autonomia. A ansiedade sobre atividades do dia a dia e retorno à independência.

Eduardo me deu dicas de procedimentos naturais, de rotina de dor e sono.  Impactos emocionais de desconforto, fadiga e alterações de rotinas. Eu sinto que a abordagem é centrada na minha pessoa. Há respeito à minha experiência subjetiva.

Eduardo usa técnicas de meditação, respiração e relaxamento. Isso tudo tem me ajudado a enfrentar com galhardia momentos de ansiedade.

Além disso a terapia me ajuda no planejamento de soluções práticas visando minha reabilitação. Tudo isso baseado em relação de confiança. Sempre com escuta empática e validação da experiência.

A terapia tem sido um espaço seguro de expressão. Um estímulo a falar sobre frustrações sem julgamentos. Tem sido proveitoso e eficaz.

As tribos dos Manáos e dos Barés saúdam a tribo Potiguar, com loas ao eficiente terapeuta.

 

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

domingo, 21 de setembro de 2025

Manaus, amor e memória DCCXLI

Monumento a Tenreiro Aranha (João Baptista de Figueiredo), 

o primeiro presidente da Província do Amazonas,

filho do poeta Tenreiro Aranha (Bento de Figueiredo).

O monumento, que já esteve na Praça Tenreiro Aranha, encontra-se hoje 

na Praça da Saudade.

 

O governador Tenreiro Aranha, que já havia entrado para a história, não apenas como o primeiro governador da província, mas também como o salvador da obra de seu pai, “o primeiro artista amazonense”, como o chamou Márcio Souza, no excelente A expressão amazonense, entrou de gaiato na história do município de Presidente Figueiredo, criado no início dos anos 1980. Explico: a intenção era homenagear (se alguém pensou em “puxar o saco”, também serve) o ditador de plantão, o que gerou uma inesperada revolta na população da cidade – sinal dos novos tempos, pré-diretas já. Um gênio então lembrou-se do nome completo do primeiro governador, cujo cargo era de Presidente da Província do Amazonas. Embora nunca tenha sido chamado de Presidente Figueiredo, é assim que nos lembramos dele. O outro? Mera nota de rodapé nos livros de história. Como notório torturador. 


quinta-feira, 18 de setembro de 2025

A poesia é necessária?

 

As tetas do povo

Dori Carvalho

 

fiquem aí os senhores

mamando nas tetas

     do povo

enquanto o povo

mama nas tetas das pedras

 

cuidado muito cuidado senhores

qualquer dia

as pedras viram armas

qualquer dia

a fome vira raiva

qualquer dia

a casa cai       

 

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Porãozeiros

Pedro Lucas Lindoso

 

O sol mal abre as pálpebras, e já aparece o som da manhã no porto.  Caminhão com todo tipo de cargas e fretes.  O ar, mesmo com um suave vento, avisa que o calor vai chegar e não pede licença. É ali, no beiradão do rio, entre sacas de cimento outras de trigo, pacotes, caixotes e encomendas que começa a história dos porãozeiros.

Não é de romance que se faz o oficio, mas de repetição firme: levantar, amarrar, alinhar, empurrar, erguer. Cada caixa tem uma história que não cabe na etiqueta: o cimento que veio de lá, a estiva que veio de cá. O porãozeiro sabe decifrar o peso das coisas pelo silêncio que elas carregam. Um saco de cimento não é apenas cimento; é a perspectiva que vai construir uma casa ou um muro, ou uma calçada, num beiradão qualquer.

Diferente do estivador que tem carteira assinada, horário fixo e jornada de trabalho, o porãozeiro embarca junto com as mercadorias. Os porãozeiros carregam e descarregam as mercadorias para o convés de carga da embarcação bem como de e para os porões do navio. Daí o nome de porãozeiro.

Em outros tempos e infelizmente em alguns barcos menos humanizados, os porãozeiros dormem no meio das cargas, como se mercadoria fossem.

O porãozeiro não reclama; ele regula o próprio fôlego como quem regula uma máquina antiga, mantendo o pulso igual ao batimento do motor do navio.

O balanço do navio denuncia a chuva que pode chegar, o movimento das cordas diz quem está cansado hoje. E no meio dessa coreografia de força e prudência, surge a paciência: a paciência de quem sabe que tudo o que entra e sai no navio precisa de alguém para dizer “vai lá” e “já é hora de parar”.

Há porãozeiros que chegam com histórias pesadas nos ombros: a dívida que não cala, o filho que precisa de terapia, a casa que precisa de tinta. O porto de algum vilarejo amazônico, porém, é um espaço de onde se volta para casa com o corpo mais pesado e o coração mais leve ao mesmo tempo. Porque, no fim, o que o porãozeiro carrega não é apenas peso físico. São as contas do mês, as contas da vida, a sensação real de pertencimento a uma corrente maior que a própria força muscular.

Os dias se espremem na paisagem hegemónica dos rios caudalosos e da floresta. E o sol que às vezes parece fugir para o horizonte. Chega o meio-dia com a promessa de almoço partilhado entre colegas. Um sorriso, um olhar triste ou mesmo o silêncio que se faz cúmplice quando a conversa cai no afastamento das famílias ou na saudade da cidade que ficou para trás. Porque o porãozeiro trabalha entre dois mundos: o das cargas que entram e saem e o da gente que fica.

À noite, quando o navio desliza pelos rios da Amazônia, os porãozeiros descansam nas redes armadas junto a passageiros que pagam também para serem transportados, mas respiram outras verdades. Embora, durante as horas de folga, entre jogos de dominó e baralho, os porãozeiros compartilhem suas verdades e histórias com os passageiros.

Quando chega o dia de voltar para seu tapiri, para a rede de casa, com as mãos ásperas, o peito carregado não só do que foi empurrado para dentro do porão, mas também o que ficou desejado nas pequenas cidades amazônicas. Lugares e pessoas guardados no fundo do peito.  A brisa de quem ficou para trás, a risada que não se apaga. Tudo marcado. Como o destino que costura as suas vidas e sonhos a partir de pequenos gestos de força diária. O porãozeiro organiza o mundo amazônico por meio do peso e do cuidado, ele dá forma à matéria que move o comércio dos rios.  Ele transforma trabalho em território de convivência. E, no fim das contas, ele é a ponte entre o que foi feito e o que ainda será entregue ao caboclo ribeirinho, sempre com a dignidade de quem sabe que cada caixa é uma história pronta para ganhar o próximo capítulo.


domingo, 14 de setembro de 2025

Manaus, amor e memória DCCXL


A Ilha do Caxangá, hoje extinta, ficava às margens do Igarapé de Educandos.
Com um pouco de boa vontade, vê-se, na parte superior da fotografia à esquerda, 
o prédio do Patronato Santa Terezinha, a Ponte de Ferro Benjamin Constant e, 
mais ao centro, as pontes que ligam o bairro de Educandos à Cachoeirinha.  

 

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Artistas Plásticos do Amazonas, por Sérgio Cardoso 9/9


Fernando Júnior. 
Clique na figura para obter acesso ao YouTube.


 

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

A poesia é necessária?

 

Vozes, versos e metamorfoses

Tainá Vieira

 

Eu vim de vários ventres,

andei por diferentes terras,

metamorfoseando-me

a cada estação.

 

E quando outra de mim nasce

modifica-se o corpo e a face

mas permanece o mesmo coração.

 

Já fui árvore, casa e ilha,

ontem eu era minha mãe,

hoje sou minha filha.

 

Habito os mares, as matas,

as esquinas e os altares,

sou santa, viro fera,

cirandeio, canto, rezo

acendo o fogo, carrego

a tocha e corro o mundo,

vou da minha tribo

– até o centro da Terra.

 

Estou onde eu quiser,

vivo do jeito que eu quiser,

se me perco, me acho no caos

que construí em mim,

ou nos sonhos que sonham

nas celas, nas cozinhas,

nas ruas, nos leitos e matagais.

 

Me refaço nos pedaços

que encontro espalhados por aí

ou nas cinzas voadas para longe

atravessando os séculos de dores

e clamores, desde as primeiras

palavras das minhas avós.

 

Sou Marias, Sônias e Clarices,

Capitus, Evas, Medeias,

Iracemas e Conoris.

Meu ser milenar é feito

da seiva vermelha extinta,

do sangue miscigenado

e da história que nunca foi contada.


 

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Polarização

 Pedro Lucas Lindoso

 

Dizem que o Brasil está polarizado. Na semana da pátria é bom refletir. Para mim, polarizado significa estar dividido entre opostos. Estamos divididos entre patriotas e não patriotas? Entre entreguistas e não entreguistas? Não acredito.

Como todo 7 de setembro, inclusive os da minha infância de menino amazonense, a cidade acorda em tons de verde e amarelo.

Não é crível que estejamos neste feriado cívico, entre “patriotas” vs. “não patriotas”.

Vejo brasileiros comuns com motivações diferentes. Há os que valorizam a memória histórica. Outros que se preocupam com as oportunidades para as crianças. Há os que criticam políticas públicas sem abrir mão de amar o país.

Mas sinto algum conflito no ar. Numa conversa de elevador, num grupo de WhatsApp. Mas há algo que une a todos. São desejos de dignidade, respeito e curiosidade pelo futuro.

Mas cada personagem parece trazer uma única pergunta que não se resolve: o que significa amar o país se ele não for perfeito?

Li em algum lugar e anotei: “A pátria não é uma casa com todas as portas fechadas ou todas as janelas abertas; é um corredor onde cada pé encontra um degrau diferente.”

O meu sincero desejo hoje é sentir que o sentimento de valorizar o nosso país seja no exercício em ouvir. Ouvir o vizinho que valoriza a memória histórica sem negar a urgência das oportunidades para as crianças; ouvir o professor que celebra tradições ao mesmo tempo em que aponta para o desejo de dignidade.

Sim. Precisamos de dignidade. Para quem trabalha, para quem estuda, para quem cuida.

Na semana da pátria não se deve insistir na polarização. Mas em caminhar juntos, mesmo quando o caminho não é reto nem claro. Amar o país, aqui, não é aceitar tudo como está, mas participar dele com responsabilidade, humildade e paciência. Neste dia o cronista faz um convite a amigos supostamente polarizados. O convite para transitar o meio-termo entre orgulho e reparo, entre memória e inovação. A pátria não se vence com certezas absolutas; ela se constrói, dia a dia, em pequenas atitudes de escuta, em decisões informadas, em respeitar direito do outro de enxergar o mundo com cores diferentes. Que tenham tido um bom feriado.

 

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Lançamento de Neste Remoto Agora

 


Poetas participantes:

Para compra da Antologia, clique aqui: Lambrequim - loja virtual  Neste remoto agora


domingo, 7 de setembro de 2025

Manaus, amor e memória DCCXXXIX

 

Hoje, Av. Sete de Setembro.

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Artistas Plásticos do Amazonas, por Sérgio Cardoso 8/9


Jandr Reis. 
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quinta-feira, 4 de setembro de 2025

A poesia é necessária?

 

Vandalismo

Augusto dos Anjos (1884-1914)

 

Meu coração tem catedrais imensas,

Templos de priscas e longínquas datas,

Onde um nume de amor, em serenatas,

Canta a aleluia virginal das crenças.

 

Na ogiva fúlgida e nas colunatas

Vertem lustrais irradiações intensas

Cintilações de lâmpadas suspensas

E as ametistas e os florões e as pratas.

 

Como os velhos Templários medievais

Entrei um dia nessas catedrais

E nesses templos claros e risonhos...

 

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,

No desespero dos iconoclastas

Quebrei a Imagem dos meus próprios sonhos!

 

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Catequese com carinho

 Pedro Lucas Lindoso

 

Neste 31 de agosto a Igreja comemorou o Dia do Catequista. Minhas homenagens àqueles, principalmente os leigos, que se dedicam a essa sublime missão de ensinar às crianças católicas os primeiros passos do Evangelho e das boas regras para ser um bom católico.

A minha catequista foi a inesquecível Madre Santos, do Colégio Santa Doroteia, localizado na Av. Joaquim Nabuco, aqui em Manaus. Eu sou filho, irmão e afilhado de salesianas. Mas fiz catecismo nas Doroteias. Eu, meus irmãos mais velhos e as primas Daou.

Não sei se eles se lembram, mas Madre Santos era extremamente carinhosa. Eu gostava de ir ao catecismo. E a expectativa de fazer a Primeira Comunhão era um incentivo para um menino ávido em deixar de vestir calças curtas. Fazer a Primeira Comunhão e usar calças compridas era o sonho de qualquer garoto católico da minha infância.

E naqueles anos se fazia a Primeira Eucaristia bem novinho. Eu tinha seis anos quando fiz a minha Primeira Comunhão. Seria no dia 3 de junho de 1963. Mas foi adiada porque naquele dia morria em Roma o Papa João XXIII. Foi uma tristeza e uma frustração inesquecíveis. Adiada para dezembro, aqueles foram os seis meses mais longos da minha vida.

Naquela idade eu já estava alfabetizado. Acho até que minha alfabetização foi impulsionada pelas lições de Catecismo da Madre Santos.  O requisito para o Catecismo era saber ler. Hoje as crianças fazem Primeira Comunhão por volta dos dez anos. A Igreja deveria rever isso. Nas cerimônias de hoje em dia,  as vezes aparecem meninos bem grandes, já pré-adolescentes. Antigamente, com crianças mais novinhas, algumas vestidas de anjo, era mais pueril e angelical.

Finalmente dezembro chegara. A alegria de uma criança católica ao fazer a primeira comunhão é um momento de luz e descoberta. Lembro-me do coração pulsando como tambor de festa. Ao se aproximar do altar, o ar cheirava a incenso; cada passo parecia atravessar uma ponte entre o tempo da brincadeira e o tempo do sagrado

Naquela manhã, o mundo pareceu ganhar um tom novo: simples, claro, e inteiro como o mundo que Madre Santos com tanto afeto nos havia transmitido. Através de desenhos e brincadeiras e leituras simples. Sem nos amedrontar. Madre Santos já aplicava os princípios e o legado de João XXIII. Uma Igreja mais leve, próxima e aconchegante. Seguindo as premissas do Concílio Vaticano II, fazia uma catequese arejada e com carinho.

  

domingo, 31 de agosto de 2025

Manaus, amor e memória DCCXXXVIII

 


Praça do Congresso com Monsenhor Coutinho.